Um dos passeios mais tradicionais dos paulistanos, nos fins de semana, é visitar o Aeroporto de Congonhas cujo enorme terraço fica lotado. À época em que lá morei, de janeiro de 58 a agosto de 61, somente os mais abonados desciam a Santos e Guarujá ou iam para sítios particulares nas cercanias da cidade. Algumas famílias iam, de lotação, para a Praia Grande, fazer “pic-nic”, levando frango assado com farofa, preparados em casa. Eram os, até hoje, conhecidos como “farofeiros”. Para os que ficavam na cidade, os programas eram cinema, Congonhas ou o Parque do Ibirapuera e, claro, o futebol no Estádio do Pacaembu. O aeroporto de Guarulhos ainda não existia. Havia apenas a Base Aérea de São Paulo em Cumbica, recém-transferida do Campo de Marte, e que mais tarde cederia uma área para as instalações do terminal internacional. Contudo, a pista era mais extensa do que a de Congonhas, exigência para operação da nova aeronave, o “de Havilland Comet”.
Avião que mudou o transporte aéreo mundial, o inglês, simplesmente chamado “Comet”, foi o primeiro a ter reatores a jato e asas em delta. Eram quatro turbinas embutidas nas asas. Tinha o dobro da velocidade daqueles movidos por motores a pistão e hélice, 800 km/h. Mas, por consumir muito combustível, inicialmente, operava em trechos curtos como Londres – Paris, Londres – Roma, não fazendo rota transatlântica.
Apesar de ter decretado o fim do emprego de hélices no transporte de passageiros, o Comet teve vários problemas de projeto que foram sendo descobertos em função de vários acidentes ocorridos. O mais conhecido foi a fadiga do material nos recortes de ângulo reto, das chapas metálicas das janelas, então, quadradas. Devido aos esforços da pressurização da cabine, que não haviam sido considerados, a estrutura entrava em colapso. Mas a fábrica foi aprimorando a aeronave, tendo chegado ao modelo “número 5”, maior, mais econômico, mais capacidade da armazenagem de combustível, o que permitiu fazer a linha “Londres - São Paulo - Buenos Aires”, operada pela BOAC e pela Aerolineas Argentinas. Este, já com janelas ovaladas, e com reforços estruturais. Mas aí, os Boeing 707 e os Douglas DC-8, mais modernos, decretaram o seu fim.
Embora tenha pagado caro pelo seu pioneirismo, foi, e até hoje é, um avião muito bonito, devido às asas em delta e às turbinas embutidas.
Para conhecê-lo, eu e mais três amigos catarinas, moradores da pensão do seu Vinício, resolvemos ir à Base Aérea onde fazia escala. Verificamos os horários, na agência da BOAC, à Avenida São Luís: passava sábado, indo para Buenos Ayres e retornava no domingo, à tarde, para Londres. E fomos de ônibus para Guarulhos.
Não havia estação de passageiros. O despacho era feito no salão de entrada da sede da base, sem maiores confortos. No horário aprazado, eis que surge ao longe o Comet. Realmente, muito bonito, em comparação com os DC-6 e Super-constelation da época. Pousa, taxia, “desfilando”, para gáudio da plateia, e para. Desembarcam todos os passageiros – era o costume – homens bem trajados e belas mulheres, em trânsito. Segue-se a rotina da escala; reabastecimento e o trato com as bagagens. O tempo foi passando, inverno, começa a escurecer.
Os passageiros embarcam, os motores são ligados, provocando um ruído completamente diferente daquele dos motores tradicionais. Vai para a pista e decola em um ângulo de ascensão nunca feito pelos aviões de hélice. Uma beleza!
E cai a noite. Enquanto olhávamos a partida, a sede da base foi fechada, a Kombi da BOAC segue lotada com pessoal e encomendas, todos vão embora, restando alguns soldados da guarda. Perguntamos pelo ônibus. E a surpresa: como era domingo, o último, às 18h, acabara de sair. Caíramos em uma esparrela! E agora?
Felizmente, eis que para na cancela, um daqueles famosos carros americanos que fizeram época, um Plymouth 58. Belíssimo. Duas cores, vermelho e creme. Acercamo-nos dele, quase aos gritos. “Ei! Para! Espera!!!” Explicamos a situação, e o empresário, que levara a esposa e a filha para embarcarem, simpático e solícito, concorda em nos dar uma carona até o centro da cidade.
Eram outros tempos. Hoje, provavelmente, teríamos dormido naquele ermo.
E a volta se transformou no melhor do passeio. O carro flutuava pelo asfalto, silencioso. O interior, de um “design” de muito bom gosto, poltronas em couro vermelho; o painel, perfeitamente iluminado, um “show” de conforto. Foi um dia perfeito, encerrado com chave-de-ouro.
À época, os carros brasileiros tinham um interior pobre, de vinil barato e os painéis eram “iluminados por lamparinas”. Já nasciam carroças.
Edson O.T. Goeldner
Colaborador